Corrida acelerada pelo carro elétrico pode gerar desemprego em massa?

Enquanto, na Europa, até 500 mil postos de trabalho podem ser fechados, aplicação de nióbio nas baterias abre vagas em companhia brasileira
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09.12.2021 às 14:16 • Atualizado em 23.12.2021
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Enquanto, na Europa, até 500 mil postos de trabalho podem ser fechados, aplicação de nióbio nas baterias abre vagas em companhia brasileira

Por Homero Gottardello*

O Brasil vive uma realidade paralela e não só na política. No setor produtivo, não bastasse a desindustrialização galopante, vivemos em uma bolha “pollyânica” – lembrando a personagem da literatura infantil Pollyana, que cria o “jogo do contente”, em que se extrai algo de bom mesmo das experiências mais negativas. 

Em termos regulatórios, não há nenhum movimento preparatório para a virada da eletromobilidade e, sem incentivo governamental, as montadoras se fazem de mortas e vão aproveitando o sono do gigante em seu “berço esplêndido” para vender automóveis que já nascem ultrapassados enquanto, bem longe daqui, subsidiam seus modernos elétricos no além-mar.

Como diria a personagem interpretada pela atriz Kate Lyra em “Planeta dos Homens”, programa humorístico que foi ao ar entre 1976 e 82, pela Rede Globo: “Brasileiro é tão bonzinho”...

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Pois é. Mas os europeus não dormem, estão acordados e de olhos bem abertos para cumprirem a meta continental de emissão zero, a partir de 2035. 

Prova disso é que a Associação Europeia de Fornecedores Automotivos (CLEPA), que reúne 3.000 empresas e sistemistas, emprega nada menos de 5 milhões de trabalhadores diretos e indiretos, e já investiu 30 bilhões de euros (o equivalente a R$ 166 bilhões) em mobilidade sustentável, divulgou seu mais recente balanço, acendendo uma luz vermelha para todo o setor. 

No estudo publicado nesta semana, a CLEPA estima que a transição dos motores a combustão interna para os propulsores elétricos vai custar 500 mil empregos só na cadeia de fornecimento, até 2040.

Antes que o leitor se indague se entendeu direito o alerta da associação, frisamos: a CLEPA adverte que 500 mil postos de trabalho serão fechados, nos próximos 20 anos, só com a virada da eletromobilidade.

“As necessidades da sociedade europeia são muitas e diversas. Não há como atendê-las com uma abordagem, uma fórmula universal”, avalia o secretário geral da entidade, Sigrid de Vries, em comunicado oficial à imprensa da associação. 

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“O contexto regulatório tem que estar aberto a todas as soluções disponíveis, que incluem trens de força híbridos, o uso do chamado hidrogênio “verde” e combustíveis renováveis, bem como outras tecnologias sustentáveis que nos permitirão redefinir a questão da mobilidade para o futuro”, ponderou Vries.

O alerta da CLEPA tem um claro objetivo, que é sensibilizar os legisladores europeus que irão votar, em 2022, o pacote “Fit for 55”. Apresentado em julho deste ano, o “Fit to 55” propõe uma redução de 55% nos gases que produzem o Efeito Estufa até 2030. 

O pacote faz parte do Acordo Verde Europeu (European Green Deal), que tem o objetivo de neutralizar as emissões de carbono na União Europeia, até 2050, e é nele – no pacote “Fit for 55” – que estão contidas as diretrizes para o setor automotivo, incluindo a obrigatoriedade de emissão zero para todos os veículos novos, a partir de 2035, “matando” os motores a combustão interna.

Lá, o processo regulatório corre acelerado e a expectativa é que as regras contidas no “Fit to 55” sejam aprovadas como leis efetivas já no ano que vem. “Nosso estudo evidencia que o enfoque nos veículos elétricos, como única alternativa para a neutralidade das emissões, põe em risco centenas de milhares de empregos, isso em um setor que desenvolve soluções para uma mobilidade sustentável”, frisa Vries. 

“Cerca de 70% do valor agregado de um modelo elétrico advém de seu pacote de baterias, desde suas matérias-primas e células até a reciclagem. Mas, das gigafábricas planejadas para a Europa, poucas iniciaram suas operações”, pondera.

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Cenários e contraponto

O estudo da CLEPA enxerga três cenários. No primeiro, o uso de tecnologias mistas (motores híbridos, a hidrogênio “verde” e combustíveis renováveis) reduziria em quase 80% a emissão de gás carbônico, ao mesmo tempo em que geraria 200 mil novos empregos.

No segundo, o cenário com apenas modelos elétricos (EVs) para neutralizar – baixar a zero – as emissões, até 2040, fechando 275 mil postos de trabalho; e no terceiro cenário, que seria ainda mais restritivo que o proposto pelo Acordo Verde Europeu, a neutralidade chegaria ainda mais cedo, em 2030, mas com um custo social ainda maior, que seria a fechamento de 360 mil postos de trabalho.

O prognóstico extremamente negativo da associação tem, no entanto, um contraponto por parte de sua parceira no estudo, a PricewaterhouseCoopers (PwC), segunda maior consultoria financeira, de gestão, dados e análise de riscos do mundo. 

“Embora a eletromobilidade ponha em riscos muitos empregos na indústria, especificamente no segmento de powertrains, as áreas de infraestrutura e tecnologia vão precisar de mais mão de obra no futuro”, pondera o sócio e porta-voz da PwC Strategy alemã, Henning Rennert. 

“No entanto, sou obrigado a concordar que, para gerar empregos nesses setores, é necessário agregar valor à produção doméstica. Isso só será possível se os pacotes de baterias foram produzidos localmente, na Europa”, acrescenta.

Resta mais do que evidente que, na Europa, há um consenso entre sindicatos, fornecedores e montadoras. Todas as partes da cadeia produtiva somam esforços para defenderem tanto o negócio (ou seja, o capital) quanto a sociedade (o operariado que, em ultima ratio, é a base do mercado consumidor). 

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Já no Brasil, onde ainda se fabrica praticamente o mesmo automóvel dos anos 90, disfarçado de zero-quilômetro e promovido como a quintessência da tecnologia, não é a virada para a eletromobilidade que vem sendo debatida. 

Em “Pindorama”, é o desabastecimento de semicondutores que assombra o setor, como se assistíssemos ao enésimo capítulo de um filme de terror que teima em não sair de cartaz.

“Temos muitos veículos incompletos nos pátios, à espera de componentes eletrônicos”, disse o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) Luiz Carlos Moraes, nesta semana. “Aguardamos que eles possam ser completados neste mês, amenizando as filas de espera nesta virada de ano”, completou. 

Moraes estima que o fornecimento de semicondutores seja ao menos parcialmente restabelecido, antes do final de 2022. 

O mais espantoso não é o fato de não termos insumos para produção de automóveis ultrapassados e parados ao relento esperando eletrônicos que parecem vir da Ásia ainda de caravelas, mas o descaso aberrante com uma questão inadiável.

“No Brasil, a descarbonização nos transportes não é uma pauta prioritária. Sem o apoio do governo, corremos risco de ficar com tecnologia defasada”, declarou o diretor executivo da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Bruno Batista, ao “Estadão”.

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Nióbio: recarga ultrarrápida

À base da teimosia frente a omissão do poder público, a Volkswagen Caminhões e Ônibus (WVCO), em parceria com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), inicia a produção de baterias de íons de lítio com aplicação de nióbio e carregamento ultrarrápido, desenvolvidas pela própria CBMM. 

“O uso do óxido de nióbio no ânodo das baterias – os pacotes convencionais usam carbono – permite um carregamento ultrarrápido, em menos de dez minutos”, explica o vice-presidente da companhia, Ricardo Lima. 

“E isso com a garantia de mais segurança, maiores durabilidade e vida útil”, assegura. Trata-se de uma excelente notícia, principalmente se levarmos em conta que a química de materiais é o grande segredo para o desenvolvimento de novas tecnologias.

“Investimos no segmento de baterias, com uma estratégia que visa a acelerar a inovação com nióbio”, enfatizou o diretor executivo de produtos para baterias da CBMM, Rogério Ribas, durante o seminário Powering Future Electrification - Innovative Battery Materials.

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Parece difícil de acreditar, mas a notícia é verdadeira e, como prova disso, a companhia anunciou, na semana passada, um investimento de R$ 2 bilhões na ampliação de sua capacidade de produção de nióbio para 150 mil toneladas anuais, o que representa um incremento de 50% em relação ao volume atual. 

E o melhor: gerando – por enquanto – 133 empregos diretos.

Se em relação aos motores a combustão, nos tornamos uma espécie de vala para desova de uma tecnologia condenada à morte, na Europa, a criatividade e insistência de uma companhia nacional – de Araxá, Minas Gerais – se fez notar por uma das gigantes da indústria automotiva, a VW, que abraça o projeto de olho em um futuro que imporá muitas dificuldades para o setor, mundialmente. 

Chega a dar um alento e, mais do que isso, a esperança de que ainda temos salvação.

*Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto

Imagens: Divulgação

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