Cinco razões para pensar bem antes de comprar um SUV
Os SUVs estão povoando cada vez mais e transformando o mercado brasileiro de carros. Meros coadjuvantes de um setor antes predominado por hatches e sedans, eles representavam apenas 7,63% de todos os emplacamentos em 2010. Em 2020, já responderam por 32,7% ou quase um terço de todo o volume de vendas.
Tal ascensão tem afetado diretamente outros segmentos da indústria. Os hatches médios, por exemplo, praticamente desapareceram (resta somente o Chevrolet Cruze Sport6 entre as marcas generalistas), assim como os monovolumes e minivans (Honda Fit e Chevrolet Spin são os sobreviventes).
O mercado de sedans, em especial o de grandes e médios, é outro diretamente afetado: enquanto os três-volumes de maior porte já estão quase extintos, entre os médios restam apenas três modelos de relevância: Toyota Corolla, Honda Civic e VW Jetta, sendo que Corolla e Jetta em breve terão suas vendas afetadas pela chegada de Corolla Cross e Taos.
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Mas por que a busca por SUVs cresceu tanto? O porte maior da carroceria, a posição mais elevada de dirigir, o vão livre mais generoso do solo e a perspectiva de robustez a bordo são alguns dos fatores.
De fato, dirigir um utilitário esportivo em meio a vias por vezes em péssimo estado de conservação confere um nível superior de conforto e segurança, enquanto o ponto H mais alto melhora a visibilidade, a noção de espaço e a sensação de segurança. E tem, claro, a questão do status.
Mas tudo vem com um preço. Ao optar por um SUV, o novo proprietário precisa ter claro em mente algumas consequências não tão positivas assim de sua escolha, até para não se frustrar. Neste artigo, vamos listar cinco delas.
Consumo
Uma das maiores reclamações entre pessoas que compram SUV é: “Eu não esperava que ele fosse gastar tanto combustível”. Por mais que o nosso estilo de condução afete (e muito) o consumo, o fato é que o tipo de carroceria não deixa muita margem para economia.
Um SUV, por concepção, é mais alto e largo, o que significa que será sempre mais pesado e terá um coeficiente aerodinâmico inferior ao de um hatch, sedan ou perua. É possível perceber isso facilmente no mundo real, mesmo entre os SUVs mais eficientes de nosso mercado.
O VW T-Cross Comfortline 200 TSI, por exemplo, é construído sobre a mesma plataforma MQB A0 do Virtus Highline 200 TSI, compartilhando com ele a motorização (1.0 TSI três-cilindros turboflex com injeção direta de 128 cv e 20,4 kgfm, aliado a câmbio automático), o conjunto de suspensões (McPherson no jogo dianteiro, eixo de torção no traseiro) e até a distância entre eixos (2,65 metros).
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Só que, por ser um utilitário esportivo, pesa 61 quilos a mais (1.252 kg contra 1.191 kg), tem 4,1 cm a mais de vão livre do solo (19,1 cm ante 15 cm) e possui um coeficiente de arrasto de 0,362 Cx, enquanto o sedan alcança 0,326 (aqui, quanto menor o número, maior a eficiência aerodinâmica).
Resultado: enquanto o T-Cross 200 TSI registra um consumo no programa de etiquetagem veicular do Inmetro de 7,6/9,5 km/l com etanol, sendo 10,8/13,4 km/l com gasolina (ciclos urbano/rodoviário), o Virtus 200 TSI atinge 7,8/10,2 km/l e 11,2/14,6 km/l, respectivamente. O T-Cross pode até ser mais alto para transpor valetas, mas o Virtus é até 9% mais econômico.
Ainda não se convenceu? Um Chevrolet Tracker Premier 1.0 Turbo também aproveita plataforma (GEM), motorização (propulsor tricilindro turboflex sem injeção direta de 116 cv e 16,8 kgfm, aliado a câmbio automático de seis marchas) e suspensões do Onix Plus Premier 1.0 Turbo, com a curiosidade de ter um entre-eixos até menor (2,57 m contra 2,60 m).
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Mesmo assim, pesa 131 kg a mais (1.248 ante 1.117 kg) e possui um Cx de 0,352, enquanto o sedan chega a incríveis 0,305. Com isso, no Inmetro, suas médias de consumo são 8,2/9,6 km/l com etanol e 11,9/13,7 km/l usando gasolina. O três-volumes, por sua vez, faz 8,6/10,9 e 12/15 km/l, respectivamente. Parece pouco, mas a diferença chega ao pico de 9,5%.
Outro caso é o do Nissan Kicks em relação ao novo Nissan Versa, que compartilham a plataforma V, o motor 1.6 quatro-cilindros aspirado flex de 114 cv e 15,5 kgfm, o câmbio CVT e as suspensões (novamente McPherson à frente e com eixo de torção atrás).
No SUV, o coeficiente de arrasto é de 0,345 e o consumo, de 7,7/9,4 km/l (etanol) ou 11,4/13,7 km/l (gasolina). No sedan, de 0,315 e 8/10 ou 11,7/13,9 km/l. E olha que a diferença de peso entre eles é de apenas 11 kg (1.142 vs 1.131 kg).
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Talvez o caso mais drástico seja o do Renault Duster 1.6 CVT (quatro-cilindros aspirado flex de 120 cv e 16,2 kgfm) em relação ao Logan com mesmo motor e câmbio. Novamente aqui temos plataforma (B0) e suspensões similares, mas o entre-eixos do SUV é até maior (2,67 m ante 2,63 m).
Por isso mesmo, pesa 119 kg a mais (1.279 kg na versão Iconic, contra 1.160 kg do extinto Logan Intense) e tem um Cx de 0,4, enquanto o do Logan fica em 0,34. Consumo do Duster no Inmetro: 7,2/7,8 km/l com etanol (cidade/estrada); 10,7/11,1 km/l com gasolina. Do Logan: 7,9/9,1 km/l ou 11,7/13,4 km/l. Diferença de quase 21% com gasolina em rodovias.
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Desempenho
Se economia de combustível não é problema para você, talvez sua prioridade seja ter na garagem um carro com bom desempenho. Só que aqui, mais uma vez, os SUVs levarão desvantagem em relação a hatches, sedans e peruas com motorização similar.
Peguemos o 0 a 100 km/h oficial de todos os modelos irmãos citados anteriormente, lembrando sempre que SUVs e sedans comparados usam exatamente o mesmo conjunto motriz:
VW T-Cross Comfortline 200 TSI AT: 10,4 s
VW Virtus Highline 200 TSI AT: 9,9 s
Chevrolet Tracker 1.0 Premier Turbo AT: 10,9 s
Chevrolet Onix Plus 1.0 Premier Turbo AT: 10,4 s
Nissan Kicks SL 1.6 CVT: 12 s
Nissan Versa Exclusive 1.6 CVT: 10,7 s
Renault Duster Iconic 1.6 CVT: 12,4 s
Renault Logan Intense 1.6 CVT: 11,2 s
Novamente, o que explica a notória desvantagem dos SUVs é o caráter intrínseco ao seu tipo de carroceria: mais alta e pesada, além de aerodinamicamente inferior. No caso do Kicks, a desvantagem chega a 1,3 s ou 12% no comparativo com o Versa, mesmo tendo sob o cofre o mesmíssimo casamento de motor e câmbio.
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Estabilidade
Por mais moderno e tecnológico que um SUV seja, seu estilo de carroceria vai interferir em outro ponto que pode ser muito importante para o comprador: estabilidade para desviar de acidentes a altas velocidades numa rodovia.
Por serem mais altos e pesados, além de costumeiramente contar com suspensões elevadas em relação a hatches, sedans e peruas, os utilitários esportivos apresentam muito mais dificuldade para se manter estáveis em mudanças bruscas de direção.
Aqui, de novo, é uma questão simples e pura de física: a maior altura da carroceria e das suspensões, o peso extra e o centro de gravidade mais alto farão o veículo inclinar mais e sofrer com a ação de força centrípeta superior ao contornar uma mesma curva à mesma velocidade de um carro mais baixo e leve.
É por isso que, recentemente, Toyota RAV4 e VW Tiguan, dois SUVs de marcas conceituadas no mercado, apresentaram desempenho temerário no popular teste do alce, chegando quase a capotar (veja o teste do RAV4 aqui e o do Tiguan aqui).
Como comparação, a perua Toyota Corolla Touring Sports e o sedan grandalhão VW Artheon, que são das mesmas fabricantes, não enfrentaram problema similar em teste idêntico. Portanto, para quem dirige muito em rodovias, um SUV talvez não seja a melhor opção.
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Preço e manutenção
Como já mostramos nos tópicos acima, os SUVs mais populares oferecidos no Brasil aproveitam muito dos projetos de hatches e sedans compactos: plataforma, motores, mecânica... Ainda assim, custam um bocado a mais.
Se um Virtus Highline 200 TSI parte de R$ 102.490, um T-Cross Comfortline 200 TSI começa em R$ 119.190, uma diferença de R$ 16.800. E se um Onix Plus Premier II 1.0 Turbo AT sai por R$ 89.390, o Tracker Premier 1.0 Turbo alcança R$ 117.990, um abismo de R$ 28.600. Já o novo Versa Exclusive custa R$ 96.690, R$ 21.100 a menos que os R$ 117.790 do Kicks SL Pack Tech.
Ah: e prepare-se para enfrentar uma manutenção mais cara em alguns pontos. Para trocar itens como faróis, para-choques, rodas ou pneus, por exemplo, os de um SUV costumam ser mais caros, geralmente porque são maiores.
O alento é que, quando usam o mesmo motor, os utilitários esportivos apresentam valores similares de revisões com preço fixo entre 10 mil e 60 mil km em relação a um hatch ou sedan com quem formam família. Só faltava um SUV ser mais caro até nisso...
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Nem tanto espaço assim
Compradores de SUV tendem a achar que, devido ao porte, um modelo desse tipo vai proporcionar um espaço interno superior. Isso nem sempre é verdade. Quem viaja na fileira traseira de um Ford EcoSport ou Jeep Renegade não nos deixará mentir.
Se o ponto H, a visibilidade e o espaço para a cabeça tendem a ser melhores num utilitário esportivo, sedans costumam ser mais generosos com as pernas e os ombros dos ocupantes, além de terem um porta-malas geralmente muito maior.
Que o digam os 469 litros de volume do Onix Plus ante os 393 l do Tracker, ou os 521 l do Virtus perante os 373 l do T-Cross. No caso do Renegade, inclusive, o bagageiro de 320 l fica no nível de um hatch compacto. Isso sem falar que, na faixa de preço de um SUV compacto, é possível adquirir um sedan médio, aí sim, bem mais espaçoso em todos os quesitos.
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Jornalista Automotivo