Por que os carros elétricos atuais não estão matando a grade frontal?
Além de manter a identidade das marcas, elemento garante fluxo de ar necessário para refrigeração de motores elétricos e conjunto de baterias
Por Homero Gotardello
Se existe uma coisa em comum entre os veículos usados pelos Flintstones e pelos Jetsons, dois clássicos da animação dos anos 60, é o fato de nenhum deles dispor de grade dianteira.
É que enquanto o sedan da Idade da Pedra é impulsionado pelos pés de seus ocupantes, o monovolume do futuro usa um motorzinho a combustão interna – pelo menos é o que seu ruído e suas emissões sugerem.
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Mas a realidade é bem diferente da ficção e o futuro já chegou. Aliás, chegou bem diferente do imaginado por William Hanna e Joseph Barbera (criadores do estúdio Hanna-Barbera), já que o elemento de estilo mais marcante dos automóveis foi mantido, praticamente, intacto, como apurou a agência Bloomberg.
“Você ficaria surpreso com a quantidade de ar que o Ford Mustang Mach-E demanda para resfriamento”, afirma Gordon Platto, projetista-chefe do novo SUV cupê elétrico, que toma emprestado o nome – e o prestígio – do icônico muscle.
É verdade que os trens de força dos modelos elétricos não geram tanto calor quanto os propulsores convencionais, a combustão interna, mas a necessidade de refrigeração é inexorável.
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Também é verdade que sua montagem mais baixa no cofre levou algumas marcas a adotarem soluções simplórias, tapando a parte de cima da grade com painéis criados à base de improviso e deixando apenas as tomadas de ar do para-choques livres, de forma a garantir fluxo de ar sem maximizar seu custo de produção.
Kia Niro e Volvo XC40 elétrico, recém-lançado no Brasil, são exemplos desta estratégia que, sem grandes mudanças, consegue diferenciá-los dos irmãos e primos movidos a gasolina.
“Não são apenas modelos sem grade, mas que adotam um estilo ‘anti-grade’, podemos dizer. Para os primeiros clientes deste nicho, esse tipo de sinalização era importante”, avalia Eric Noble, presidente da consultoria automotiva The Car Lab, que presta serviços para mais de 40 gigantes do setor automotivo.
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De acordo com o executivo, os motivos que levam hoje os consumidores europeus e americanos a comprar um modelo EV são outros. “Há dez anos, as pessoas queriam exibir seu veículo elétrico e, agora, elas desejam apenas economizar, acessar vias dedicadas a este tipo de veículo ou, simplesmente, se divertir. Essa necessidade visual, de se exibir, vem diminuindo rapidamente”, acrescenta Noble.
É por isso que os novos BMW i4 e iX, revelados em março, mantêm a assinatura estilística de seus antecessores. “Visualmente, a grade duplo-rim é nosso maior diferencial em relação à concorrência”, destaca o chefe de design da marca bávara, Domagoj Dukec.
No caso do novo SUV elétrico, o iX, a grade dupla não só está lá como, também, cresceu. Suas formas horizontais foram verticalizadas, enquanto as tradicionalíssimas molduras e barras cromadas deram lugar à cercadura em preto e a uma superfície treliçada – atrás delas, agora ficam câmeras e sensores.
Pode parecer um anacronismo, mas trata-se de uma escolha lógica: “Os Tesla não têm grade, tudo bem. Mas a Tesla não tem a história, o legado tecnológico da BMW. Não temos que copiá-la, até porque nossos clientes não esperam que sejamos diferentes, mas que sigamos oferecendo os melhores produtos, independentemente de seu trem de força”, acrescenta Dukec.
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É um carro, mas ainda é um carro
A aparência exclusiva e extravagante é, portanto, uma característica dos modelos elétricos que, de agora para frente, será dispensada. “Demos ao Mustang March-E um aspecto único, com uma espécie de colar no lugar da grade”, diz Gordon Platto, da Ford.
“Nossos clientes não querem guiar um projeto de ciências, mas conduzir um automóvel elegante, que representa a marca que ele escolheu de maneira adequada. A adoção de motores elétricos permite ganhos aerodinâmicos que, na prática, significam maior autonomia, mas abolir as tomadas de ar é impossível. Olhe bem para qualquer modelo da Tesla e você verá uma grade debaixo do para-choques”.
A Hummer deixou de ser uma marca independente da General Motors em 2015, mas seu nome voltou à baila neste ano pelas mãos da GMC – subsidiária do grupo com foco em veículos utilitários de médio e grande porte.
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E o GMC Hummer EV renasce como uma releitura futurista do grandalhão do passado, que combina três unidades motrizes para gerar nada menos que 830 cv, potência para “quase todas as situações”, enfatiza o fabricante.
“Nos divertimos muito com isso e mantivemos os seis blocos com a inscrição ‘Hummer’. Mas atrás deste elemento, que você pensa ser uma grade, há na verdade um compartimento para carga”, conta o diretor de design da marca, Rich Scheer.
A logomarca acende quando o motorista se aproxima com a chave, como um iPhone, reforçando uma imagem de robustez construída pelo antigo e icônico SUV com motores a combustão.
Como se pode ver, à medida que os grandes fabricantes migram para a eletrificação de suas linhas, há uma reinvenção de elementos de estilo que, mais do que um requisito técnico do passado, são o quadro que emoldura suas marcas e seus valores.
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