Como a Inteligência Artificial deixará os carros até 30% mais baratos
Montadoras investirão R$ 1,3 trilhão em robótica até 2030, para acelerar tempo de desenvolvimento em 20% e reduzir em 30% os custos de produção
Na indústria robótica, só o segmento automotivo deve saltar do volume de negócios atual de US$ 40 bilhões (o equivalente a R$ 205 bilhões) para até US$ 260 bilhões (cerca de R$ 1,33 trilhão), em 2030.
Esse crescimento, denominado “softwarização”, pode ser visto no Centro de Pesquisas da Toyota (TRI), onde o desenvolvimento de novos materiais e alternativas energéticas já divide a pauta de trabalhos com três novos campos de estudo: inteligência artificial (IA), machine learning e direção interativa.
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“Basicamente, criamos tecnologias de apoio para as atividades humanas, desde o desenvolvimento de um novo modelo até sua condução assistida. Sabemos que existem grandes preocupações de que o avanço da IA acabe tornando os seres humanos obsoletos, mas esta inquietação não se justifica porque o futuro ainda não está definido e somos nós que fazemos as escolhas”, conta o presidente-executivo (CEO) do TRI, Gill Pratt.
Parece um contrassenso, mas enquanto o Brasil se refugia na negação da virada da eletromobilidade, as gigantes do setor automotivo já enxergam os veículos autônomos (AVs) no horizonte, vendo longe, onde nossos olhos parecem ainda não alcançar.
Ciclo de desenvolvimento mais curto
“A Inteligência Artificial generativa encurta os ciclos de desenvolvimento, incorporando parâmetros de engenharia no início do processo. E isso traz uma abordagem inovadora para a robótica”, conta o vice-presidente do Boston Consulting Group, uma das três maiores consultorias estratégicas do mundo, Max Bajracharya.
A IA generativa cria códigos, conteúdos digitais e simulações que permitem não só o desenvolvimento, mas a implementação de novos softwares. Pode-se entender a “softwarização” como a aplicação da inteligência artificial em todos os processos de concepção e produção de um veículo, perpassando sua venda e entrega, até a condução autônoma e todos os serviços embarcados.
Hoje, a Tesla é a única montadora “softwarizada”, na medida em que é o único fabricante de veículos que, antes de mais nada, é uma empresa de tecnologia.
“A corrida da IA generativa já começou e o automóvel do futuro será, essencialmente, um computador sobre rodas, com as suas plataformas informáticas constituídas por ‘servidores de veículos’ conectados a redes de altíssima velocidade, executando mais de 100 milhões de linhas de código”, argumenta o vice-presidente de tecnologia (CTO) da Wipro Engineering, líder global em tecnologia da informação e de processos, Thomas Mueller.
“A integração e atualização destes sistemas ao longo do projeto até a manufatura é fundamental para a segurança, durabilidade, sustentabilidade e desempenho dos próximos lançamentos. Estudos comprovam que a IA generativa pode acelerar o lançamento comercial de um veículo elétrico (EV) em 20%, enquanto os gêmeos digitais e os testes de integração podem reduzir os custos totais em 30%”, acrescenta.
Para o leitor ter uma ideia, enquanto estima-se um investimento global de mais de R$ 1,3 trilhão pelas montadoras, só no setor de robótica, a Toyota vai gastar US$ 70 bilhões (o equivalente a R$ 360 bilhões) para eletrificar um terço dos cerca de dez milhões de automóveis que vende, anualmente, durante toda esta década.
Ou seja, o desenvolvimento nas áreas de Inteligência Artificial, machine learning e condução autônoma receberá um aporte quase quatro vezes maior. “Não estamos falando, necessariamente, do desenvolvimento de um produto, como um robô para compras de supermercado, mas de explorar os limites dessas tecnologias”, pondera Bajracharya.
No TRI da Toyota, um laboratório traz o simulacro de uma mercearia, onde um robô humanoide circula pelos corredores. Ele deve saber onde estão localizados os itens de sua lista de compras e como alcançá-los.
Deve entender quanto pesa cada produto, observar sua embalagem e usar uma pinça fixada no seu braço direito para pegar o objeto – um litro de leite, por exemplo – ou o tubo de sucção a vácuo da “mão” esquerda, para retirá-lo da prateleira e colocá-lo no carrinho.
“Quando um designer cria algo, é preciso submeter sua ideia à engenharia, que lhe diz: ‘Isso é inexequível, mas aquilo é possível’. Na prática, a criatividade está sujeita a este vaivém e é este caminho que vamos encurtar com a IA generativa”, explica o diretor da divisão de Human Interactive Driving da marca, Avinash Balachandran.
Na verdade, a IA generativa chega a impor aos designers os requisitos específicos de arrasto aerodinâmico (Cx), por exemplo, maximizando o alcance de um veículo elétrico, ao mesmo passo em que incorpora às características de condução de um carro autônomo os padrões de integridade estrutural e desempenho dinâmico daquele modelo específico.
“No caso dos designers, a ferramenta pode fornecer variações em relação ao esboço original, permitindo que eles explorem uma ideia mais rapidamente”, destaca Balachandran, garantindo que não há razão para alarmismo: “Não há como substituir os designers humanos, simplesmente porque a IA não tem seus ‘insights’, sua criatividade”.
Atropelamento
Na última segunda-feira, um robotáxi da Cruise, subsidiária da General Motors, atropelou uma mulher em San Francisco, naquele que foi considerado o segundo incidente do serviço autônomo. Por volta das 21h30, no cruzamento entre a Fifth Street e a Market Street, o robotáxi parou em um sinal vermelho à esquerda de outro veículo.
Quando o semáforo ficou verde, este outro veículo acelerou rapidamente, atingindo uma pedestre que ficou presa no capô por alguns metros, antes de cair na frente do modelo da Cruise que freou automaticamente, mas não conseguiu evitar o atropelamento – não havia passageiros no robotáxi, que estava abaixo do limite de 40 km/h daquela via.
“O sensor do AV ‘avistou’ a mulher, antes mesmo de ela ser colhida pelo outro veículo, mas ainda não sabemos como ele a classificou enquanto estava presa sobre o capô deste primeiro carro”, afirmou a porta-voz da Cruise, Hannah Lindow. O episódio levanta questões sobre as capacidades dos motoristas humanos e autônomos, principalmente em relação às situações que os AVs – pelo menos em tese – deveriam prever.
O tema aqueceu um debate que, em agosto, já havia ganhado os noticiários quando um grupo chamado “Safe Street Rebel” passou a colocar cones laranjas sobre os capôs do robotáxis californianos – incluindo os da Waymo, que é a outra operadora deste serviço de San Francisco. Em um comunicado, o “Safe Street Rebel” afirmou que San Francisco ficaria melhor servida se “incentivasse o uso do transporte público, de bicicletas e até mesmo de caminhadas”.
De volta à “softwarização”, não há dúvida de que este é o grande desafio de agora em diante para a indústria automotiva: o uso de uma solução de software, em vez do hardware tradicional, para resolver um problema.
E isso muda, radicalmente, a forma com que fabricantes que produziram peças (hardware) cromadas durante os últimos 100 anos enxergam a si mesmos. “As montadoras ainda não conseguem se ver como empresas de IA, mas é inegável que a indústria automotiva já se aproxima mais da produção de dispositivos inteligentes sobre rodas do que, exatamente, de automóveis convencionais”, avalia o CTO da Wipro Engineering, Thomas Mueller.
Mas enquanto as gigantes chinesas tomam o mercado global de assalto, qualificando nada menos de 1,4 milhão de engenheiros em IA, anualmente, e integrando verticalmente até 80% de sua cadeira produtiva (contra 25%, nos Estados Unidos, e menos de 10%, no Brasil), praticando preços inalcançáveis para as marcas tradicionais, a Toyota segue apostando em um futuro idílico, lúdico:
“Novos materiais para baterias, reduzindo o uso de metais de terras raras, e eletrolisadores de hidrogênio podem levar 50 anos de pesquisas. Há infinitas possibilidades e, hoje, apenas arranhamos a superfície daquilo que podemos fazer. Sobretudo, exploramos formas de usar a IA para incentivar melhores hábitos e melhorar a experiência de condução humana”, diz o diretor da divisão de energia e materiais do TRI da Toyota, Brian Storey.
Um diletante, pelo jeito... Mas quem não sonha com um futuro menos distópico e uma estrada bucólica à beira-mar para guiar um conversível?
Este texto contém análises e opiniões pessoais do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Mobiauto